O grupo Assistência médico-hospitalar do fundo Sanatório Pinel representa as atividades finalísticas da instituição.
A admissão dos doentes ao Sanatório Pinel de Pirituba se realizava por meio do pedido do próprio paciente ou da família, com apresentação de atestado por dois médicos para a justificativa da internação. No caso dos toxicômanos, podia ser feita também por meio de determinação judicial, com orientações especiais (1). A família foi atuante e influente no processo de internação de seus membros no Sanatório Pinel, ora pelo encaminhamento à internação, ora pelo preenchimento dos questionários sobre o histórico do paciente, ora pela solicitação de notícias ao médico sobre seu familiar. Havia na instituição a preocupação por parte do corpo médico de que a família estivesse ciente e de acordo com os seus procedimentos, outorgando-lhe a responsabilidade pela autorização dos tratamentos aplicados (2).
Os prontuários produzidos nessa dinâmica de diagnóstico e tratamento dos pacientes pelos médicos retratam a rotina da assistência médico-hospitalar, pela qual os internos eram submetidos, fundada pelas matrizes teóricas e experimentais da clínica psiquiátrica e neurológica vigentes no início do século XX. Também expressam o universo psíquico-social dos sujeitos participantes do cotidiano hospitalar, integrando uma rede de relações entre o corpo médico-clínico, os pacientes, com seu mundo subjetivo e as experiências dolorosas do tratamento. E, também, a interação com os familiares, motivados por razões e influências diversas e inseridos em contexto social fortemente dominado pelo status da autoridade psiquiátrica, uma vez amparada pelas leis e pela política de Estado sob o viés eugênico e higienista.
Os pacientes, internados mediante pagamento, tinham seus dados pessoais registrados em prontuários (3). Neles havia a descrição do caso clínico do paciente, de seus estados físico e psíquico, acompanhada de questionário respondido pelos familiares ou responsáveis, com informações sobre histórico familiar e anamnese da moléstia, seus sintomas e sua cronologia, instrução, inteligência, conduta, caráter, aptidões profissionais, uso de bebidas alcoólicas e outras drogas, quadro fisiológico, causas possíveis da moléstia, fatos, motivos da internação e dados do comportamento crível de diagnóstico psiquiátrico. Os bilhetes dos pacientes eram interceptados e anexados aos prontuários, como prova de existência da enfermidade (4). Durante a internação no Sanatório Pinel de Pirituba, alguns pacientes deixaram cartas escritas por diversas motivações. Ora escreviam aos médicos para pedir informações sobre seu quadro clínico, ora aos seus familiares para contar alegrias e tristezas, ora a si próprio, como uma forma de lembrança (5).
A permanência dos pacientes no sanatório era muito pequena, de 1 a 3 meses de internação, mas havia um número significativo de internos que ficavam até o 6º mês. Entre os internados estavam os portadores de sífilis, toxicômanos, homossexuais, adúlteros, onanistas, pródigos, transgressores das regras sociais e os que sofriam de problemas físicos e mentais, ainda hoje descritos em categorias patológicas na psiquiatria (6). Grande era o número de reincidentes, na sua maioria mulheres, que também passavam por outras instituições psiquiátricas. No caso das mulheres, havia também outros motivos de internação, como forma de punição imposta pela família ou de isolamento em face de choque traumático, após o parto ou a morte de um ente querido. Para algumas famílias, a instituição psiquiátrica, como o Sanatório Pinel, era o suporte para lidar com membros que não se adequavam, temporária ou definitivamente, à dinâmica da família e da própria casa (7).
(1) COUTO, Rita Cristina Carvalho de Medeiros, opus cit., pp. 42.
(2) LANZELLOTTI, Tuanny Folieni Antunes, opus cit., pp. 93.
(3) Nos prontuários médicos encontram-se memorandos, anotações médicas decorrentes de avaliações dos exames físico, mental, somático e psíquico, prescrições de medicamentos, cartas, bilhetes, questionários, receitas, cartões e outros documentos. Sendo o Sanatório Pinel de Pirituba um hospital particular, pessoas de posses e influentes politicamente buscavam nessa instituição o sigilo necessário para esses casos considerados de loucura, alvo de preconceito social. pp. 10-14. Em: LIMA-HERNANDES, Maria Célia. Prontuários médicos e “Corpus” de Português de São Paulo: vestígios da história social feminina na primeira metade do século XX. 22 ps. No site: dlcv.fflch.usp.br/sites/dlcv.fflch.usp.br/fales/MCAlfal2008.pdf
(4) COUTO, Rita Cristina Carvalho de Medeiros, opus cit., pp. 23-34, 42.
(5) BARBOSA, Antonio Sergio Ackel. Cartas pessoais de pacientes do Sanatório Pinel (1929-1944): um estudo filológico. pp. 27-31. Dissertação de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Filologia e Língua Portuguesa do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. 2019.
(6) COUTO, Rita Cristina Carvalho de Medeiros, opus cit., pp.43-45.
(7) VACARO, Juliana Suckow. A construção do moderno e da loucura: mulheres no Sanatório Pinel de Pirituba (1929-1944). pp. 29, 40-52. Dissertação de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em História Social do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. São Paulo. 2011.
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