A série é composta por 2974 (1) prontuários médicos de pacientes referentes a pacientes internados no Sanatório Pinel entre os anos 1929 e 1945. Observe-se que a instituição constituía um novo prontuário a cada internação de um mesmo paciente.
Seguindo as anotações nos prontuários percebe-se 1850 internos do sexo masculino e 1123 do sexo feminino. A maioria dos internos era de brancos e brasileiros. Outras 28 nacionalidades diferentes estão representadas. (2)
Os prontuários retratam a rotina de diagnóstico e tratamento médico a que se submetiam os pacientes, cuja abertura se iniciava com o encaminhamento e a apresentação dos atestados médicos que justificavam sua internação. Os itens documentais que compõem os prontuários expõem as atividades médicas, sua relação com os pacientes e os familiares, o histórico do diagnóstico e tratamento e, também, o cotidiano, as experiências e os sentimentos compartilhados pelos internos junto aos seus congêneres.
Os prontuários médicos dos pacientes contêm fichas com registro de seus dados pessoais, das informações da entrevista e do exame preliminar feito pelo médico sobre o seu aspecto físico e mental, anotados assim que principiava a internação. Outros documentos seguem a sua composição, produzidos durante o exame clínico, relativos aos relatórios de diagnóstico de natureza física, mental, somática e psíquica. Também está anexado a esses itens um questionário, respondido pelos familiares e responsáveis, com informações sobre histórico familiar e anamnese da moléstia, seus sintomas e sua cronologia, instrução, inteligência, conduta, caráter, aptidões profissionais, uso de bebidas alcoólicas e outras drogas, quadro fisiológico, causas possíveis da moléstia, fatos, motivos da internação e dados do comportamento crível de diagnóstico psiquiátrico. Entre as anotações médicas, juntam-se as descrições dos casos clínicos, com base nos diagnósticos e nos tratamentos, as autorizações da família para a realização dos tratamentos, entre os quais, as terapias de choque, além das receitas médicas e as prescrições de medicamentos.
Ademais os documentos produzidos pelos médicos, os prontuários incorporam memorandos, cartas, bilhetes, cartões, poemas, desenhos e outros registros deixados pelo próprio paciente e seus familiares. Algumas cartas eram escritas pelos internos e membros da família ao médico para pedir informações sobre o quadro clínico. Cartas, bilhetes e cartões eram destinados pelos pacientes às famílias para compartilhar seus sentimentos e sua situação no Sanatório. Outros internos impunham anotações a si próprios como forma de registro de sua memória. Alguns elaboravam poemas e desenhos que expressavam seu estado psicológico e emocional e o olhar que tinham em relação ao mundo subjetivo e exterior. Esses documentos pessoais eram interceptados pelo hospital nos prontuários como prova de indicação dos sinais ou sintomas diagnosticados pelos médicos sobre a enfermidade psíquica dos pacientes.
Nos prontuários os dados pessoais dos pacientes em sua totalidade apontam a realidade de gênero, condição social e étnica da população hospitalizada. Embora crescente o número de mulheres internadas nesse período, a maior parte da população internada era masculina (3), de faixa etária variada, oriunda das famílias abastadas e, majoritariamente, proveniente do estado de São Paulo. Os registros dos valores de pagamento, relativos aos tipos de alojamento, e de outros dados atribuídos às condições econômicas, como posição social da família, fontes de renda, grau de instrução ou tipo de trabalho, sinalizavam a situação social dos pacientes.
Os relatórios de diagnóstico médico presentes nos prontuários dimensionam os tipos de enfermidades apontadas de acordo com o julgamento das autoridades psiquiátricas da época e da instituição, principalmente segundo as especificidades de gênero. Relatam doenças psiquiátricas como a esquizofrenia, a psicose, a psicopatia, a neurastenia, a depressão, a demência e outras enfermidades, comuns entre os homens e as mulheres. Por outro lado, outros tipos de diagnóstico, sobretudo, relacionados pela psiquiatria ao comportamento moral e social ou a algum modo de transgressão da vida no trabalho, na família e na sociedade, eram descritos nos dois grupos.
Entre os homens, destacavam-se os casos de sífilis, toxicomania, alcoolismo, prodigalidade, vícios de jogo, homossexualismo, onanismo e outros, enquanto entre as mulheres o diagnóstico de enfermidade psíquica ou nervosa se referia normalmente à histeria, melancolia, às perturbações de ordem sexual e outras afecções de ordem emocional relacionadas aos estados fisiológicos propriamente femininos, como a menopausa e a depressão pós-parto, e também aos choques traumáticos provenientes da separação ou perda de um ente querido. O diagnóstico dos médicos sobre as mulheres internadas muitas vezes adentrava a esfera familiar, na medida em que atrelava as perturbações psíquicas a algum tipo de estigma social atribuído a elas, como no caso das “solteironas” ou das mulheres que, sejam solteiras sejam casadas, não se adequassem ao padrão social de comportamento.
(1) Esse número representa o universo de prontuários que estão de fato sob a guarda do Arquivo Público do Estado.
(2) Dos 606 casos do sanatório analisados, 126 eram de estrangeiros. Em: COUTO, Rita Cristina Carvalho de Medeiros. Nos corredores do Pinel: eugenia e psiquiatria. p. 44. São Paulo: Editora LiberArs. 2020.
(3) De 919 prontuários produzidos no período de 1929 a 1945, 61% corresponde ao universo masculino e 39% ao feminino. Em: LANZELLOTTI, Tuanny Folieni Antunes. Controle e internação entre o público e o privado: Hospital Psiquiátrico do Juquery e Sanatório Pinel de Pirituba (1929-1934). p 69. Dissertação de Mestrado em História no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de São Paulo. Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Guarulhos. 2008.
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